O Bahia
Notícias entrevistou o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal
(STF) Carlos Velloso durante sua passagem por Salvador, onde participou
de um seminário organizado pelo Sindicato dos Servidores do Estado da
Bahia (Sindefaz). Velloso falou sobre os pontos que a justiça brasileira
tem avançado desde 2006, quando deixou o STF por aposentadoria
compulsória ao completar 70 anos, suas avaliações do ex e atual
presidentes do STF, respectivamente Joaquim Barbosa e Ricardo
Lewandowski, além de comentar sua relação com o falecido Antônio Carlos
Magalhães, a quem chegou a dizer que “não era um homem de bem” em
algumas trocas de acusações pela imprensa.
As ásperas falas ocorreram enquanto o jurista mineiro era presidente do
STF e o político baiano era presidente do Senado nacional. “Tivemos
discussões sérias. Mas o tempo foi caminhando e ele se tornou um grande
amigo”. Leia a entrevista completa.
BN: Mas o senhor acha que hoje em dia existe um período menor entre as demandas da sociedade e as decisões do judiciário?
Bahia Notícias: Já se vão oito anos desde sua aposentadoria do
Supremo Tribunal Federal em 2006. Quais pontos o senhor acha que temos
avançado na Justiça desde então?
Carlos Velloso: Sobre o ponto de vista da democracia,
vivemos um bom período muito bom e eficaz. Temos assistido a
participação da sociedade na tomada de decisões. Vemos muito essa
participação através das entidades de classes, sindicatos, associações
que tem uma voz muito ativa. E temos assistido uma boa eficácia no jogo
dos três poderes constituídos, o executivo respeitando as conquistas da
sociedade e um poder judiciário cada vez mais atuante, estimulando
inclusive o congresso nacional a tomar atitudes. Veja que coisa
interessante tem sido algumas das últimas decisões do supremo. A questão
do feto anencéfalo, por exemplo, que se debatia há um longo tempo, o
STF proferiu uma decisão progressista, que é do nosso tempo, do tempo
que vivemos. O avanço também na questão das chamadas uniões
homoafetivas, entre homens com homens e mulheres com mulheres, que
muitos ainda recebem ainda assustados, mas que é algo do nosso tempo.
BN: Mas o senhor acha que hoje em dia existe um período menor entre as demandas da sociedade e as decisões do judiciário?
CV: Sim, percebo sim. Os juízes vêm tomando decisões
que garantem as conquistas constitucionais. Sintetizando, penso que
vivemos um bom momento democrático. Temos que cuidar para que não haja
um retrocesso e ocorra um aperfeiçoamento. Agora mesmo, estamos em um
momento de campanha política, com os candidatos se manifestando com
liberdade. O povo brasileiro está de parabéns por isso.
BN: Como o senhor avaliou a passagem do Joaquim Barbosa na
presidência do STF e o que acha que podemos esperar no Ricardo
Lewandowski no cargo?
CV: O Barbosa teve um bom período no STF. Ele se
notabilizou como um juiz enérgico, em especial como relator da AP 470, a
ação penal do mensalão. E agora é a vez de Lewandowski, que também vai
ter bons momentos. Ele é um juiz experimentado, corajoso. Se Joaquim
Barbosa teve a coragem de sustentar seus pontos de vista, na condenação
dos réus do mensalão, Lewandowski teve também a coragem, que é própria
do juiz, de preservar, emitir pronunciamentos liberais no momento em que
a população, apoiada pela mídia, pensava de outra forma. Então, você
não tenha duvida, o ministro Lewandowski proferiu aqueles votos dele,
ele condenou também muitos, mas aqueles votos liberais que proferiu,
baseado na sua consciência, aquilo que ele estuda. Isto que é belo em um
tribunal, em um colegiado, cada um manifestando o seu ponto de vista,
fazendo valer o que representa sua consciência e sua ciencia. Por isso,
então é fácil antever bons momentos para o supremo com o ministro.

BN: Na época do estouro do caso do mensalão, o senhor disse que
considerava as penas para o caso de caixa dois muito brandas no Brasil.
Como o senhor o desfecho do caso do mensalão? As penas foram brandas?
CV: No que toca ao caixa 2, continuo achando que
precisamos ter mais severidade com este procedimento, que é nocivo para a
sociedade e o erário. É realmente aquilo que o Márcio Thomaz Bastos,
isso é coisa de bandido. Achava, sim, que as penas eram muito brandas,
no âmbito eleitoral. Continuo achando isso. Foi na minha gestão como
presidente do STF que foi reescrito o código eleitoral. Passou a ser
algo encarado com severidade. Precisamos punir com severidade aquilo que
chamamos de caixa 2. Antes, aparecia mais do que vai aparecer agora.
Com os esclarecimentos que se fez e a repulsa da sociedade a esse tipo
de delito. Quantas pessoas precisam comprar um imóvel por R$ 200 mil,
mas a escritura sai por R$ 150 mil?. Alguém tem um caixa 2 aí, vai
receber um dinheiro que não pode declarar ao fisco. Isso ocorre em
diversos setores da sociedade, temos que combater e apenar com
severidade.
BN: Após a sua saída do STF, o senhor voltou a advogar, sendo
inclusive um dos advogados aqui do Sindefaz. O senhor acha que existe
algum conflito ético em um ex-ministro do STF voltar a advogar?
CV: Se eu percebo que há algum conflito, eu recuso. Eu
normalmente não participo do contencioso. Por exemplo, no caso do
Sindefaz, eu aceitei porque fui servidor público por 51 anos, 40 como
magistrado. Tenho pela classe dos servidores muita afeição. Assumi nesse
caso, mas é difícil que isso acontece, fico mais nos pareceres. Minha
advocacia é mais de consultaria, pareceres. Sou muito cuidadoso na
questão ética. Mas exercer a advocacia não gera nenhum conflito. Mas no
exercício é preciso certa cautela. Já fui convidado para emitir um
parecer em um caso que percebi que não poderia emitir nada porque eu
tinha sido relator de um caso que era justamente relacionado ao que
estava posto em discussão. Então, neste caso, comuniquei aos advogados
que me sentia impedido.
BN: O senhor teve desavenças históricas com o falecido político
local Antônio Carlos Magalhães quando o senhor era presidente do STF e
ACM era presidente do senado. Queria que o senhor falasse como ficou a
sua relação com ACM após estes incidentes.
CV: É verdade, tivemos desavenças sérias, fortes
discussões. Lembro de uma vez, no auge dessas discussões, vim a Bahia e
nem o procurei, em um jantar aqui em Salvador nós nos ignoramos. Mas o
tempo foi caminhando e ele se tornou um grande amigo.

BN: Mas essa busca da reconciliação partiu do senhor ou dele?
CV: As nossas desavenças centram em um único ponto,
ele defendia as prerrogativas do legislativo e eu do judiciário. Pouco
depois dessas desavenças, ele foi ao supremo e me concedeu a medalha da
Ordem do Congresso Nacional. Eu senti muito seu falecimento, quando
morreu nós éramos muito amigos. Fiquei feliz de chegar aqui e encontrar
uma cidade bonia e limpa. Cumprimento o ACM Neto, ele está seguindo a
linha do avô, isto é muito bom para a Bahia.
BN: Como o senhor avalia a situação do sistema judiciário após o governo Lula e o atual governo Dilma? Houve uma melhora?
CV: Nada influiu, nem para melhorar nem piorar. O que
fez melhorar foi a constituição de 1988, que facilitou o ingresso das
pessoas em juízos, e fez do juiz um participante importante do jogo
democrático, deixando de ser um simples resolvedor de problemas para
entre particulares para interferir nos autos negócios públicos da
administração. O juiz teve seu papel político ampliado
significativamente. Quando falo política, falo no sentido grego da
palavra, aquele que participa das decisões, em prol da sociedade.
por Lucas Cunha