quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Qual o futuro das UPPs no novo governo Pezão?


Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro / Crédito: Reuters
Com sua reeleição no último domingo, o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB), promete levar a cabo uma expansão no programa de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) – a principal aposta do governo estadual para conter a violência nas favelas, mas que nos últimos meses tem enfrentado problemas.
Lançado em 2008, o projeto expulsou traficantes e reduziu o número de homicídios e a taxa de criminalidade nas comunidades em que foi implantado. Atualmente, há 38 UPPs com um total de 9,5 mil policiais em operação na capital fluminense.
No entanto, o programa tem sido alvo de críticas de analistas e descontentamento da população, devido ao aumento do número de ataques a bases de UPPs e denúncias de abusos em muitas comunidades (sobretudo no Complexo do Alemão, Rocinha, Manguinhos, Jacarezinho e Lins), incluindo tortura, estupros coletivos por parte de PMs, e o retorno das tropas do Bope e do Batalhão de Choque.
Para especialistas, o cenário coloca o programa como um todo em xeque, pois aumenta a rejeição das comunidades à pacificação.
Eles acreditam que os problemas têm relação com a expansão da iniciativa sem ajustes necessários – como, por exemplo, bom treinamento de policiais, transparência e controle externo das atividades e uma melhora na relação entre os agentes e a população. Daí surgem preocupações em relação à promessa de Pezão para um futuro com mais UPPs.
João Trajano Sento-Sé, doutor em Ciência Política e Sociologia e pesquisador da UERJ, diz que "o desenho, o projeto das UPPs, é muito interessante, não podemos jogá-lo fora. Mas precisa haver uma formulação mais crítica e mais propositiva para os planos nesta área. Trata-se de um ótimo programa, mas tem que ser avaliado, analisado, e creio que se o novo governo apenas expandi-lo, sem fazer os ajustes, poderemos correr um risco muito grande".
Questionado sobre o assunto, o governador reeleito, Luiz Fernando Pezão (PMDB), disse em entrevista à BBC Brasil que desde 2008 o governo sabia dos desafios, e que nunca houve "a ilusão de que seria fácil".
Ele classifica o cenário atual como "tentativas de desestabilizar" o programa e adianta que a expansão das UPPs deve ocorrer de acordo com os ajustes que têm sido ressaltados pela população e os especialistas.
"Sabemos que o tráfico, historicamente, em períodos eleitorais, tenta desestabilizar o processo de pacificação. Vamos ajustar o que precisa ser corrigido, reforçar onde for necessário. Não há como voltar atrás em uma política que libertou territórios e reduziu índices de criminalidade como nunca havia acontecido na história do Rio de Janeiro", indica.

Investimento

A promessa de Pezão é a expansão do programa de pacificação para toda a região metropolitana do Rio, com no mínimo 50 novas unidades, chegando a um total de 90 até 2018.
Isso poderia reverter um dos problemas registrados nos últimos anos de forma paralela à ampliação do programa na capital fluminense - a migração do crime das comunidades pacificadas do Rio para as cidades da Baixada Fluminense, São Gonçalo e Niterói, algo visto como um "efeito colateral" das UPPs.
"O projeto das UPPs é um dos principais pilares do meu plano de governo”, disse Pezão à BBC Brasil. "Nosso compromisso é dar continuidade à implementação de novas UPPs e ao aperfeiçoamento das existentes.”
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Segundo ele, os recursos necessários para a expansão virão do crescimento econômico do Estado. "Quando nós entramos, o orçamento do Estado era de R$ 33 bilhões. Hoje temos R$ 84 bilhões e receberemos nos próximos três anos mais de US$ 130 bilhões em investimentos. Esse crescimento garantirá os recursos para contratarmos mais 12 mil policiais para repor o efetivo dos batalhões, principalmente em São Gonçalo e na Baixada, e ampliar a política de pacificação", indica.
Pezão acrescenta que sua administração, iniciada pelo ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), do qual era vice, encontrou a Polícia Militar com efetivo de 37 mil policiais e que chegou a 2014 com 49 mil. A meta para o próximo mandato é alcançar os 60 mil policiais. Entre os planos também está a criação da Academia das UPPs, vista como uma forma de melhorar o treinamento e reduzir as denúncias de abusos.
"Os policiais passarão por treinamentos regulares. Além disso, cada UPP terá uma ouvidoria independente que funcionará como um canal direto de comunicação entre a PM e os cidadãos. Desde 2007, foram expulsos 1,8 mil policiais civis e militares por desvios de conduta, o triplo dos oito anos anteriores. Nós não queremos o erro policial. Me indigna tanto a violência contra o policial quanto o policial que comete erros. Também já são mais de 600 milicianos presos, fora das forças de segurança", disse.

"Crise" e críticas

Três dias antes do segundo turno, a UPP do Complexo do Lins (zona norte do Rio) exemplificou os problemas enfrentados pelo programa no Rio. Dois contêineres da base foram incendiados, e policiais e moradores foram baleados.
O caso deu força a críticas como a do sociólogo Ignacio Cano, do Laboratório de Análise de Violência da UERJ, que considera que "o programa de pacificação no Rio de Janeiro está em crise”.
Tal avaliação, porém, foi rejeitada pelo coronel Frederico Caldas, comandante das 38 UPPs, em entrevista em agosto à BBC Brasil. Ele, no entando, reconheceu que o programa vivia "um momento de grandes desafios".

Comentando o futuro das UPPs, Caldas admitiu a necessidade de cuidados, ressaltando que as unidades têm "uma limitação de expansão, porque isso requer investimento e efetivo policial".
"O futuro da UPP num novo governo é fazer ajustes no processo e avançar com a cautela necessária, para que a gente não perca o controle."
"A expansão da pacificação significa a retomada de mais áreas, o que é positivo. Mas não podemos expandir demais, para evitar que os problemas comecem a ser tão grandes a ponto de colocar toda a política em risco", indicou.
Sobre o futuro, o governador reeleito, Luiz Fernando Pezão, disse à BBC Brasil que expansão e reformas podem andar lado a lado.
“Acho que uma coisa não impede a outra: podemos avançar e ao mesmo tempo em que melhoramos as que já existem. Nossa ideia é chegar a 2018 com 60 mil policiais militares. Hoje, temos 49 mil. Em 2007, eram 39 mil. Não se faz segurança sem policiais e é fundamental investir fortemente na formação deles”.
Ele adianta ainda mais duas iniciativas que visam melhorar o programa. “Vamos implantar a Academia das UPPs, para oferecer qualificação, treinamento e reciclagem para os agentes, e teremos ainda a Ouvidoria das UPPs, que vai ser um canal de comunicação entre os moradores e a polícia em cada comunidade pacificada. Sempre digo que temos que ouvir mais para errar menos".

Alemão e Maré

Duas comunidades cariocas se destacam no cenário atual e no futuro das UPPs: os complexos do Alemão e da Maré (ambos na zona norte do Rio de Janeiro).
O primeiro foi ocupado pelas Forças Armadas em 2010 e recebeu sua primeira UPP em 2012, e após um período inicial de maior estabilidade, tem vivido tiroteios e diversos episódios de violência.
Para Edson Gomes, da ONG Verdejar, com base no Alemão, há pouca esperança de melhora com os planos de Pezão.
"Se a política do Estado é essa de militarização, eu só vejo a tensão aumentar cada vez mais. A UPP já provou que não garante a estabilidade do território. Num primeiro momento ela desmobiliza as forças locais, do tráfico, mas depois retorna à lógica de guerra. É um investimento altíssimo, sem o preparo correto dos policiais. O que eles chamam de pacificação é na verdade a militarização do território", diz.
Já o Complexo da Maré foi ocupado, também pelas Forças Armadas, em março deste ano, e a inauguração das primeiras bases de UPPs está prevista para até dezembro de 2014.
Ao contrário de Gomes, Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré, uma das ONGs com quem a Secretaria de Segurança Pública vem se reunindo nos últimos meses, se diz otimista com o futuro.
"Sinceramente, eu não tenho temor não. A gente está tentando sair desses estereótipos. Espero que continuem os projetos de urbanização, saúde e educação que já temos aqui, e que o processo de pacificação seja para efetivar o direito à segurança pública mesmo, e não só à entrada bélica da polícia", disse.