Após adiamento devido a protestos, Cúpula do Mercosul começa nesta segunda-feira, em Caracas
O Brasil chegará para a Cúpula
do Mercosul, que se inicia nesta segunda-feira, em Caracas, com a
proposta de antecipar a aplicação da tarifa zero no comércio com países
do Pacífico sul-americano.
Segundo a proposta brasileira, as alíquotas
comerciais nas transações entre Mercosul e Colômbia, Chile e Peru,
seriam reduzidas já no fim deste ano. Pela ideia original, o acordo
entraria em vigor só em 2019. Somente o México, o quarto membro da
Aliança do Pacífico, ficaria de fora por enquanto.
O objetivo da medida, além de
ampliar a liberalização comercial na América do Sul, é dar resposta
política ao "marketing" da Aliança do Pacífico, que vai na linha de que
uma suposta "ideologização" do Mercosul acaba prejudicando o desempenho
do bloco em termos de comércio regional.
Apesar de negar oficialmente que a Aliança,
integrada por países próximos a Washington, rivalize com o Mercosul,
internamente o Itamaraty se incomoda com o peso propagandístico que o
bloco têm dado a sua integração, ainda incipiente, como modelo sem viés
político.
"Com a tarifa zero, o Brasil reafirma seu
protagonismo e mostra que o que norteia sua ações é a integração na
prática, mais do que a suposta dicotomia ideologica entre bolivarianos
que se aproximam do Mercosul e os liberais da Aliança do Pacífico",
afirmou à BBC Brasil o economista Pedro Silva Barros, titular da missão
em Caracas do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea).
Além de uma nova "ofensiva comercial" do Brasil,
a medida também busca completar a instalação de uma área de livre
comércio e de integração que cubra toda a América do Sul.
Na avaliação do economista Darc Costa,
presidente da Federação de Câmaras de Comércio e Indústria da América do
Sul, a "tarifa zero" implementa um mecanismo de protecionismo regional,
porque cria um mercado diferenciado para os produtos da zona em
relação, por exemplo, aos produtos chineses.
"Incrementará o comércio na região", afirmou o economista.
Mudança de perfil
Nos últimos anos o comércio do Brasil com a
Colômbia aumentou 300%, com o Peru, 389%, e com o Chile, 200%, de acordo
com dados oficiais. Esses números pesaram na hora de convencer o
governo brasileiro a apostar na antecipação da liberalização total com
os vizinhos.
Redução tarifária pode aumentar comércio na América Latina
Na prática, as tarifas do Brasil com os países
da Aliança já se aproximam de zero. Agora, Brasília quer mudar o volume e
o perfil do mercado, enfocando em produtos manufaturados e não apenas
commodities.
O problema que pode surgir com a mudança
tarifária será a competição com os Tratados de Livre Comércio (TLC)
bilaterais - principalmente tratados dos países do Pacífico com os EUA.
As regras dos TLCs tendem a imprimir certa
vantagem comercial em relação às normativas regionais. Para o Peru, por
exemplo, há mais vantagens na relação comercial com os EUA.
A solução parcial para o problema, de acordo com Costa, são as "vantagens comparativas" oferecidas pela integração regional.
Como exemplo, ele cita a distância dos países da
Aliança com os do Mercosul, que é menor, o que implica menos tempo e
recursos para o transporte dos produtos; e os aspectos culturais, que
podem exercer influência no momento da escolha do mercado provedor.
Já a resistência à antecipação do acordo pode
surgir entre os membros da Aliança do Pacífico, que começam a se
ressentir do impacto em suas economias dos TLCs com os EUA. A recente
crise agrária na Colômbia levou o setor empresarial que era favorável à
liberalização comercial a adotar posturas protecionistas.
O professor Carlos Eduardo Carvalho, da PUC-SP,
vê na nova iniciativa brasileira uma tentativa de recuperar a posição
"autoatribuída", a seu ver, de líder da América do Sul. "É uma forma de o
Brasil se inserir de forma ativa nessa 'área do Pacífico' que se formou
em nossas costas", afirmou.
Moratória argentina
Outro tema que deve ser tratado na cúpula é a
crise argentina. Na próxima quarta-feira vence o prazo de carência para
que a Argentina pague os juros da dívida acordada com fundos credores do
calote histórico de 2001 (os chamados fundos "abutres").
Se for declarada a moratória, cenário mais
provável, além do embargo de bens, a Argentina terá o acesso a fontes de
financiamento internacional limitado. A presidente Cristina Kirchner
deverá expor aos colegas do Mercosul a situação econômica do país em
busca de apoio.
Mas não há nada, na prática, que os países do
bloco possam fazer. O impacto na segunda principal economia do Mercosul
preocupa empresários e investidores do bloco.
"Haverá impacto, mas estimamos que seja menor do
que a crise que enfrentamos em 2001", afirmou à BBC Brasil um
negociador do bloco.
Do lado venezuelano, o presidente Nicolás Maduro
respira com certo alívio. A reunião havia sido adiada devido à crise
política que se arrastava desde meados de fevereiro, com manifestações
violentas nas ruas contra seu governo.
Esvaziados os protestos, Maduro deverá
apresentar aos presidentes uma proposta que busca aproximar os blocos da
Alba-TCP, Petrocaribe e Caricom com o Mercosul.
A entrada da Venezuela no bloco é vista como uma
janela dos sul-americanos para o mercado caribenho. Como mais recente
membro do bloco, Maduro também deverá enviar uma mensagem para
tranquilizar os empresários locais, preocupados com o peso da China -
convertido no principal credor do país caribenho - no comércio
venezuelano.
A reunião desta terça-feira também marcará o retorno do Paraguai ao bloco, suspenso desde a deposição de Fernando Lugo em 2012.
Não há avanços nas negociações do acordo
comercial entre o Mercosul e a União Europeia. De acordo com
negociadores da região, o impasse está no campo europeu, que ainda não
conseguiu unificar uma proposta.
Palestina
A ofensiva militar de Israel contra a população
palestina na Faixa de Gaza é outro tema que deverá ser abordado pelos
presidentes. O bloco deve apresentar uma moção de repúdio à operação
militar que já deixou mais de mil mortos.
Apesar de crítico, o tom do documento não deve
contemplar a exigência dos movimentos sociais da região de boicote
econômico a Israel e suspensão do acordo comercial entre o Mercosul e
Tel Aviv.
Nesta segunda-feira, o encontro começa com a
reunião dos chanceleres do bloco. Na terça-feira participam do encontro a
presidente do Brasil, Dilma Rousseff, da Argentina, Cristina Kirchner,
do Paraguai, Horacio Cartes, do Uruguai, José Mujica, e da Venezuela,
Nicolás Maduro.
O presidente Evo Morales, da Bolívia - país em
processo de incorporação como membro pleno do pleno - também deve
assistir à reunião. A Argentina assumirá a presidência do bloco.