“Não é obrigatório que elas não demitam”, disse a presidente da Caixa
Governo arrocha salário e usa
CEF e BB para saciar lucro das múltis
Caixa fornecerá dinheiro do FAT e do FGTS, ou seja, dinheiro dos
trabalhadores que estão sendo demitidos aos borbotões por essas montadoras
O pacote de
fornecimento de dinheiro por bancos públicos às montadoras multinacionais do
setor automobilístico, anunciado pelo governo na terça-feira, não é apenas
indecente. Do ponto de vista econômico, é um crime contra os trabalhadores,
contra os empresários nacionais – portanto, contra o país.
Serão R$ 5 bilhões da
Caixa Econômica e R$ 3,1 bilhões do Banco do Brasil, em convênio diretamente
assinado com o cartel automobilístico, a Anfavea. Ou seja, R$ 8,1 bilhões
para as multinacionais pagarem fornecedores com dinheiro que não é seu,
podendo, portanto, aumentar suas remessas de lucros para as matrizes, mesmo
que não vendam nem um velocípede (o financiamento terá uma carência de seis
meses, “até que a situação melhore”, disse a representante do governo –
quanto aos fornecedores, só terão acesso às mesmas condições de
financiamento através das multinacionais).
Disse o sr. Levy que
isso não afeta o “ajuste”. Realmente, até ajuda.
O dinheiro que a Caixa
fornecerá é do FAT e do FGTS, ou seja, dinheiro dos trabalhadores, que estão
sendo demitidos aos borbotões por essas montadoras.
Qual o efeito disso
sobre o crescimento?
Nenhum, pois não é por
falta de dinheiro que as filiais de multinacionais não fazem o país crescer,
e, sim, porque não é para isso que elas existem.
Mesmo olhando pelo
ângulo estreito (aliás, oligofrênico) de quem acha que as montadoras são o
setor principal para o crescimento (não falta muar no governo para achar
essas coisas), como é que elas vão aumentar as suas vendas, se a renda da
população está sendo rebaixada – ou seja, drenada para o setor financeiro –
e o crédito é cada vez mais escasso?
O efeito de colocar o
FAT, o FGTS, a Caixa e o BB à disposição das montadoras multinacionais será,
portanto, o de aumentar a sua margem de lucro – numa situação em que as
margens das empresas nacionais estão sendo evaporadas pela recessão, isto é,
pela política do governo.
Disse bem o sr. Levy
que dar dinheiro dos trabalhadores, a juros inferiores aos do mercado (cáspite!),
às filiais de multinacionais não afeta o ajuste. Só afetaria se o dinheiro
fosse para empresas nacionais ou para os trabalhadores. Aí, seria um
desajuste.
Ainda bem que ninguém
teve essa ideia. Pior, imaginem só se o dinheiro fosse para aumentar a
aposentadoria do Zé Marmita, aquele que passou a vida saindo de casa às
quatro da manhã para ir ao trabalho pendurado na porta do trem, tendo como
única diversão um bate-bola de meia, depois de engolir às pressas a comida
requentada.
Como é consenso entre
Dilma, Levy, Renan & quadrilha, o Zé Marmita nem devia se aposentar. É isso
que causa o desajuste: sujeitos que acham que têm direito a se aposentar só
porque passaram 40 anos se matando para sustentar a família.
Dilma/Levy, aliás,
segundo as previsões da própria corriola dos economistas de banco,
conseguirão, se não mudar o governo, um êxito colossal: dois anos de
recessão, dois anos seguidos de retrocesso ou, como chamam alguns, de
“crescimento negativo”.
Tal efeméride não
ocorre no Brasil desde 1931, há, portanto, 84 anos – mais precisamente, 85,
pois a previsão inclui 2016.
Na época, houve uma
revolução, que transformou o Brasil, depois de jogar os carcomidos no mar (é
verdade que a bordo de navios que iam para a Europa, pois Getúlio era um
sujeito muito compassivo), e iniciou o maior ciclo de crescimento de um país
capitalista no século XX.
Mas, voltemos ao
fornecimento de dinheiro, pelo governo Dilma, às multinacionais.
O mais cínico é a
conversa de que “os juros serão menores para as empresas que não tenham
demitido”, mas “não é obrigatório que elas não demitam”, como disse a srª
Belchior, presidente da Caixa.
A questão é que elas já
demitiram em massa e continuam demitindo.
Não há setor que tenha
demitido tanto nos últimos meses, quanto as montadoras automobilísticas. E,
certamente, como já apontamos, não foi por falta de dinheiro. Se fosse isso,
elas teriam reduzido o preço dos automóveis, que, no entanto, continuam
extorsivos, porque são preços de monopólio – e monopólio deixado à solta
pelo governo: os preços dos automóveis no Brasil são os maiores do mundo
porque, como aponta um estudo do Morgan Stanley – banco que não pode ser
acusado de inimigo do capital estrangeiro – a margem de lucro aqui é três
vezes, em média, a de outros países, inclusive México, Chile e Argentina.
Os monopólios da
indústria automobilística são, também, há muito, e por consequência dos
preços extorsivos, os que mais remetem ganhos para o exterior - mais de US$
12 bilhões de 2011 a 2014, só em lucros remetidos oficialmente, ou
seja, sem contar as formas disfarçadas de remessa de lucros
(superfaturamento das importações, pagamento de empréstimos à matriz, etc.).
Nem mesmo o ultra-desnacionalizado setor de bebidas conseguiu enviar tanto
para o exterior.
Na última Pesquisa de
Nível de Emprego da FIESP, publicada no dia 13, as demissões das montadoras
são 22% do total na indústria paulista, muito acima do segundo lugar (a
indústria de produtos de borracha e de material plástico, com 13% das
demissões).
São tantas as demissões
das montadoras, que elevaram São Bernardo e São Caetano ao posto de
municípios em que mais cresce o desemprego em São Paulo – Estado onde se
localiza 40% do parque industrial do país.
Com essas demissões, a
folha de pagamento real das montadoras, desde janeiro, já caiu -11,8%,
segundo o IBGE anunciou na última quarta-feira.
Não obstante, Dilma
baixou, no dia 6 de julho, a Medida Provisória nº 680, permitindo um corte
no salário de 30% - em prol, evidentemente, das montadoras – usando,
inclusive, dinheiro dos trabalhadores (o FAT, Fundo de Amparo ao
Trabalhador) para aumentar a margem de lucro das multinacionais do setor
(cf. HP, 08/07/2015 e HP, 15/07/2015).
O cúmulo da hipocrisia
foi chamar esse corte de salário e espoliação do dinheiro dos próprios
trabalhadores pelas multinacionais de “Programa de Proteção ao Emprego”.
Há poucos dias, a
Mercedes Benz disse, em nota, que a MP 680 era “insuficiente” para impedir
demissões.
Dizem que a solução –
colocar a Caixa, o BB e o dinheiro dos trabalhadores com a função social de
cevar monopólios multinacionais - brotou, mais rápido que chuchu em pé de
serra, na mente privilegiada do ministro Mercadejante, economista de escol,
daqueles que ensinam a fazer bolo com meio-ovo, quando se trata de empresas
nacionais ou dos trabalhadores.
Foi logo apoiado pelo
ministro da Fazenda e outros gênios do dinheiro alheio (não, leitor, não é
ainda do pixuleco que vem por aí que estamos falando, mas da incrível
capacidade de gestão que demonstram os estadistas do atual governo, quando
se trata de dinheiro que não é deles, mas do povo).
CARLOS LOPES