A
utilização de animais em laboratórios, tanto para fins médicos quanto
para fins comerciais, é uma questão que gera polêmica. Roedores,
coelhos, porcos, cachorros, são empregados em experiências científicas e
testes a fim de comprovar a eficiência de produtos como vacinas,
cosméticos, medicamentos, cirurgias etc. Porém, há quem discorde da
prática. A organização não governamental Sociedade Humanitária
Brasileira (ONG-SHB), entidade criada em julho de 1998, luta pela defesa
e pela proteção dos animais. A instituição é contra o uso de qualquer
tipo de animal em experiências e testes laboratoriais.
“O protetor do animal preserva a vida. Por essa razão, a gente não
concorda com essa metodologia de uso de animais para experimentos;
embora a gente reconheça a importância da utilização para a vida
humana”, afirma a presidente da ONG-SHB, Vanusa Rocha.
O professor de medicina de uma universidade em Brasília Ranieri Oliveira
destaca a importância do uso desses animais para a evolução da
medicina. Ele explica que, caso o uso de bichos em pesquisas seja
proibido, a aquisição de novos conhecimentos que poderiam beneficiar a
saúde humana ficará bastante comprometida. “A gente trabalha com todas
as condições éticas. Usa-se o mínimo de animais e tão somente quando não
é possível substituí-los. Além disso, os testes são extremamente
controlados a fim de evitar que o animal tenha qualquer sofrimento. Em
procedimentos cirúrgicos, por exemplo, os experimentos não podem ser
realizados sem anestesia geral. O animal não pode ser reaproveitado em
outro experimento”, esclarece.
Mesmo com todas essas precauções na realização dos procedimentos, a
presidente da ONG-SHB enfatiza que os animais sofrem. Por isso, ela
aponta a existência de técnicas que dispensam o uso de animais.
“Há, hoje em dia, métodos alternativos que poderiam auxiliar nesses
estudos, tais como simulação em computador, cultivo de células in vitro e
outros que poderão futuramente substituir o uso de animais em
experimentos”, afirma Vanusa.
O doutor Ranieri Oliveira confirma as técnicas apontadas por Vanusa, mas
salienta que nem sempre os métodos alternativos são capazes de suprir
os resultados obtidos com o uso de animais.
“Em muitos casos, os estudantes do curso de medicina realizam atividades
em bonecos. No entanto, em algumas situações em que o aluno tem que
adquirir determinada habilidade cirúrgica, na retirada de um tumor ou de
um nódulo, por exemplo, o método alternativo não trará o mesmo
resultado. Isso porque o boneco não vai sangrar, não vai apresentar as
variáveis que surgem durante a realização de cirurgias. Mesmo assim, o
uso de animais tem sido cada vez mais restrito”.
Conforme explicou o professor de medicina, o uso de animais em
experimentos é bastante controlado. Há legislação específica e até
comissões de ética para evitar que os abusos ocorram. Ativistas também
ficam de olho. Prova disso foi a invasão, em outubro de 2013, do
laboratório do Instituto Royal, de São Roque, município localizado a 60
km de São Paulo. A invasão resultou no furto de 178 cachorros da raça
“Beagle”, de sete coelhos e de mais de 200 camundongos, além da
destruição de diversos arquivos de pesquisas que estavam sendo
realizadas. Isso ocorreu porque um grupo de ativistas suspeitava que os
animais estivessem sofrendo maus-tratos. À época, o instituto
classificou a invasão como ato de terrorismo e afirmou que a ação dos
ativistas ia contra o incentivo a pesquisas no Brasil. Atualmente, o
prédio onde funcionava o centro de pesquisa encontra-se abandonado.
Ação
Recentemente, uma ação civil pública movida pelo Instituto Abolicionista
Animal contra a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), requerendo
o fim do uso de animais em quaisquer procedimentos experimentais ou
aulas didáticas, foi analisada pelo Juízo da 16ª Vara Federal de Minas
Gerais. Na petição inicial, o instituto declarou que a instituição de
ensino promove, periodicamente, em seu Departamento de Medicina, a
prática de cirurgia e de experimentação em cães e em outros animais na
disciplina Técnica Cirúrgica mediante utilização de procedimentos
invasivos e questionáveis. Alegou a parte demandante que há métodos
alternativos disponíveis no meio científico e preconizados pelo
legislador ambiental.
“O autor repugna a prática adotada porque a tem como antiética e
contrária à legislação protetiva dos animais. Não mais se justifica a
utilização de animais vivos em tais experimentos didáticos quando já
existem métodos eficazes e alternativos, segundo noticiam publicações de
universidades americanas e inglesas”, sustentou o instituto.
A UFMG, por sua vez, apresentou argumentos contrários às razões
apresentadas. “Não há prova relativamente às alegações da inicial quanto
à utilização de práticas cruéis no meio acadêmico. Além disso, os
procedimentos previstos no artigo 14 da Lei 11.794/2008 são
rigorosamente observados”.
O caso foi analisado pelo juiz federal Marcelo Dolzany, da 16ª Vara
Federal de Minas Gerais. Na sentença, o magistrado observou que a UFMG
juntou documentação e prova testemunhal que confirmam a não incidência
de qualquer transgressão às disposições da Lei 11.794/2008. “São
administrados nos animais submetidos a cirurgias todos os procedimentos
utilizados em seres humanos. Aplicam-se anestésicos e demais
medicamentos que evitamque o animal sinta dor. Não se pode ter como
cruel tal procedimento. Se assim fosse, também o seriam quaisquer
procedimentos cirúrgicos no ser humano mediante a utilização de
sedativos e anestésicos”, fundamentou o julgador.
Com relação ao uso de métodos alternativos, o magistrado observou que o
Instituto Abolicionista Animal, autor da ação civil pública, trouxe a
informação de que parte das instituições de ensino europeias e
americanas não adota mais o uso de animais em experimentos sem, no
entanto, esclarecer por que as demais universidades daqueles mesmos
países seguem adotando as mesmas técnicas previstas na Lei 11.794/2008.
“Eu não percebi qualquer infração à lei por parte da Universidade. A ONG
questionou o uso de animais para cirurgias experimentais. Nesse ponto,
da documentação juntada pela UFMG não se verifica a ocorrência de
transgressões à Lei 11.794, e a testemunha que compareceu foi eloquente
em dizer: ‘sim, nós usamos animais para ensinar nossos alunos a preparar
cirurgias, fazer procedimentos, mas obedecemos aos padrões que a
própria lei estabelece, como efeito de analgésico, ou seja, o animal não
sente dor’”, esclareceu o magistrado.
O juiz também ressaltou que “se hoje nós temos um arsenal de vacinas é
porque muitas vacas tiveram que ser sacrificadas. Por outro lado, o uso
de roedores e de outros animais, principalmente o coelho, atua como
fonte de grande progresso científico na área da Oftalmologia. Muitas
cirurgias experimentais foram aplicadas em coelho porque a visão deste
animal é parecida com a do ser humano. Então, se tivermos que cair nesse
radicalismo de evitar o sacrifício de animais, acho que poderíamos
avançar e impedir que eles fossem abatidos para consumo humano. Então,
que seja proibido o consumo”.
O entendimento adotado pela Justiça Federal nessa questão vai ao
encontro do pensamento do professor Ranieri Oliveira. Segundo o
professor, os métodos alternativos existem e são muito importantes para o
estudo da saúde humana. No entanto, no presente momento, esses
procedimentos ainda são incapazes de substituir o uso de animais.
“Infelizmente, não existem métodos disponíveis capazes de substituir
integralmente todos os experimentos que se fazem hoje com os animais.
Falamos ‘infelizmente’ porque não queremos sacrificar o animal. A gente
entende que é uma vida que está ali, que não deve ser abusada”. n
Jair Cardoso
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