segunda-feira, 30 de março de 2015

Após 'lambança' no 1º mandato, Dilma faz ajuste 'bem calibrado', diz Delfim Netto

austeridade fiscal para retomar crescimento.
Até dezembro de 2012, uma das vozes de fora do governo mais ouvidas pela presidente Dilma Rousseff era a do economista Antônio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda (1967-74), do Planejamento (1979-85) e professor emérito da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP).
No entanto, críticas pesadas à forma como o governo tratou as contas públicas ─ "uma lambança fiscal que transformou dívida em superávit", na visão de Delfim ─ fizeram o Palácio do Planalto se distanciar do economista, e vice-versa.
Delfim Netto segue crítico ao que chama de "alquimia" das contas públicas, mas acredita que o governo está no rumo certo com as medidas de ajuste da economia adotadas pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
Em entrevista à BBC em seu escritório em São Paulo, o ex-ministro disse que Dilma "não disse a verdade" durante a campanha eleitoral sobre suas intenções de fazer ajustes econômicos, mas que se mostrou "corajosa" agora para seguir com esse caminho.
Para o economista, 2015 será um ano para "construção de uma ponte" para o crescimento sustentável. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
BBC - Qual a diferença do que o governo fez em 2014 para o que está fazendo agora?
Delfim Netto - Em 2014, o governo lançou mão de uma política que chamava de anticíclica, mas que, na verdade, era uma política estimuladora dos gastos do governo. O processo eleitoral estava se desenhando de forma muito difícil e o governo criou certas facilidades. Deu muito subsídio, muita redução de impostos, diminuiu a taxa de juros e ampliou o crédito do BNDES. Fez todas as grandes facilidades para os setores público e privado, o que produziu um desequilíbrio fiscal muito grande. No fim das contas, 2014 terminou com déficit nominal de 6,7% do PIB ─ algo que não era visto no Brasil há duas ou três décadas.
Mas terminou o processo eleitoral e ficou claro que aquilo não tinha condição de continuar. Na minha opinião, Dilma não revelou a verdade durante a campanha eleitoral. Pelo contrário, negava que fosse necessário qualquer ajuste. Criticava o opositor, dizendo que ele (o tucano Aécio Neves) queria fazer o ajuste, e quando foi reeleita ela própria fez o ajuste. Ou melhor, está tentando fazê-lo.
Trata-se de um ajuste preliminar fiscal que tem como objetivo preparar o país de novo para voltar a um crescimento razoável. Agora sem o equilíbrio fiscal é impossível ter um desenvolvimento como queremos ─ um desenvolvimento com inclusão social e com equilíbrio inflacionário, uma inflação próxima do objetivo da meta, que é 4,5% e sem uma redução do déficit em contas correntes.
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BBC - Por que é tão importante ter essas contas organizadas neste momento?
Delfim Netto - Por uma razão muito simples. No fundo, o indicador mais importante que o mundo observa é a dívida bruta em relação ao PIB. A taxa brasileira passou de 53% para 63% e está caminhando para um endividamento que obviamente é insustentável e que exige taxas de juros cada vez mais elevadas. Então a correção preliminar é no fiscal. Por quê? Porque se eventualmente houver uma perda de confiança no Brasil e o Brasil vier a perder o grau de investimento, será preciso fazer um ajuste de qualquer forma. O mercado vai impor o seu ajuste.
Ora, um ajuste imposto pelo mercado será simplesmente muito mais dramático do que um ajuste programado, estudado e por meio do qual os custos podem ser distribuídos de forma mais equilibrada. Acredito que, se o mercado impuser o seu ajuste, o crescimento demorará muito mais tempo para se estabelecer.
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BBC - Haverá crescimento em 2015?
Delfim Netto - Não. Inclusive é preciso dizer claramente para a sociedade que este é um ano em que estamos construindo uma ponte para voltar ao crescimento.
Esse ajuste não vai significar um sacrifício desmedido, porque ele está razoavelmente bem calibrado. O governo está distribuindo com certa equanimidade os custos sobre a sociedade, tanto no empresarial quanto nos trabalhadores. As correções têm sido feitas mais sobre alguns abusos, como problemas de seguro-desemprego, pensões, etc. Mas o governo não tem feito nada, realmente, que represente um ajuste brutal. Pelo contrário, tem feito coisas com bastante inteligência.
A correção do câmbio já vai ser um sinal na direção correta, porque nunca houve queda de demanda de produtos industriais. Houve uma queda de demanda da indústria brasileira, que foi substituída pela importação por causa da supervalorização do real.