A
crise hídrica e suas consequências não são novidade para o meio
acadêmico e nem
para os governos dos estados do Sudeste, que passam por um período de
escassez. Mas, alertas não faltaram nestes últimos dez anos. Em
entrevista coletiva, na manhã desta quinta-feira (12), os especialistas
da Academia Brasileira de Ciência (ABC) explicaram que desde 2003
providências
poderiam ter sido tomadas e mantidas para garantir o abastecimento, e
criticam:
frente à crise hídrica, a política atual tem adotado uma “postura de
avestruz”,
que esconde a cabeça e finge não ver o problema à frente.
Segundo
os cientistas, deve haver, principalmente, uma vontade política na solução dos
problemas. Para José Galizia Tundisi, presidente da
Associação de Instituto Internacional de Ecologia e Gerenciamento Ambiental
e membro da ABC, a comunidade científica tem muito a oferecer nesse ponto. “Os recursos hídricos
são uma questão estratégica, o desenvolvimento de estudos sobre os recursos hídricos
são fundamentais para o pais, logo é fundamental que o conhecimento científico
acumulado seja usado pelo governo”.
José Galizia Tundisi e Pinguelli Rosa. Transparência na gestão dos governos é fundamentalSegundo Tundisi, “a crise é muito mais ampla do ponto de vista
ecológico, econômico e social do que ela aparenta. Não se trata apenas de uma
crise de abastecimento, isso é um dos componentes da crise, há muitos outros em
questão”, afirma.
Pontos
como a geração de energia, a saúde pública, entre outros afetados pela crise,
são abordados na Carta de São Paulo, elaborada por membros da ABC, com análises
e soluções com contribuições para a gestão de recursos hídricos no país. “É fundamental
que o conhecimento científico acumulado seja utilizado pelo governo”, destaca Tundisi.
Segundo
Tundisi, a crise da água em São Paulo se agrava ainda mais por depender
de recursos hídricos
para a economia e para a população. “A hidrovia do Tietê, por exemplo,
foi
fechada em agosto do ano passado por problemas da crise hídrica, e ao
fechar a
hidrovia se despediu 120 pessoas. Isso é uma amostra de como a crise
atinge
diversos setores da sociedade. Há bancos que estão preocupados com a
crise hídrica. Se a indústria diminuir a produção eles terão que rever
as carteiras de
investimento", destaca.
Paulo Canedo. Pesquisador alertou sobre medidas de curto prazo para o RioNo
Rio, a situação ainda não é tão grave, mas o estado pode vir a cogitar um
racionamento caso não exista uma “racionalização do consumo”, como destaca o
chefe do Laboratório de Hidrologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), Paulo Canedo. “A crise de gestão atual me preocupa mais do que a
questão climatológica. Ela está longe de ser uma questão desconhecida no
planejamento, é um evento raro, mas que deveria estar contida nas nossas regras
operacionais”, ressalta.
Segundo Canedo, o
ideal para o governo do Rio é a adoção de medidas em curto prazo, como a
redução do consumo de água e luz, além da adoção de bandeiras tarifárias nas
contas de água da população, que poderiam barrar o consumo excessivo. “Se o
governo não quer que a população mais pobre seja onerada, dê um bônus para o
consumidor de baixa renda”, opina.
Outra solução
abordada é a redução das perdas do sistema de abastecimento, meta que deve ser
adotada pelas concessionárias de abastecimento de água. Segundo os
palestrantes, no Rio a perda é de até 30%, quando o recomendado seria de 15%,
uma das medidas que deveriam ser tomadas antes de um racionamento no estado.
Um
ponto importante da carta é a transparência da informação que chega à população.
A disseminação de informações do governo sobre a situação atual da gestão dos
recursos é fundamental, afirma Tundisi: “Os governos precisam ser brutalmente
transparentes para que possa haver participação. Sem a mobilização da população
a tecnologia não vai resolver os problemas”. “A população precisa ser educada e entender
que estamos em uma crise”, alerta.
Tundisi
adverte ainda que a escassez de água pode se tornar algo prolongado. “Estamos vivendo
uma crise de escassez e não temos informações de quanto tempo durará, ela pode
se prolongar mais do que o previsto”. E destaca: “a carta de são Paulo já foi
entregue aos governos do Sudeste e aos secretários de recursos hídricos do
estado”. Setor
energético ainda é muito dependente das reservas de água
A
geração de energia no país depende fundamentalmente da questão hidrelétrica.
Atualmente na faixa de 70%, apenas 3% são cobertos pela energia nuclear e eólica.
É nas usinas termoelétricas que reside o segundo maior percentual da geração de
energia no país, no entanto, como destaca o professor da UFRJ e membro da ABC,
Pingueli Rosa, a geração termoelétrica é extremamente cara e o acréscimo é
cobrado na conta de luz, além de ser extremamente poluente. “A energia
termoelétrica contribui, dentre outras coisas, para o aquecimento global do
planeta, emitindo gases para a atmosfera”.
O
professor destaca que a geração de energia via usinas hidrelétricas, na
região Sudeste, está em situação extremamente grave. Os maiores reservatórios,
que ficam nessa região, chegaram a níveis de 17% “Já não há como esses
reservatórios retornarem ao nível normal durante esse período úmido, que vai
até abril. Há muito tempo que há um esvaziamento progressivo, no sentido de não
conseguirem alcançar um nível confortável para garantir a geração de energia
necessária ao longo do ano”, destaca o professor. Rodízio de água é a pior medida
para a saúde pública
Sandra Azevedo: "na saúde, crise da água não tem plano B"“Quando
se
pensa em saúde e crise da água, não existe plano B”, afirma Sandra
Azevedo, diretora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ.
Segundo ela, quando se
fala da abundância de água doce no país, apesar da escassez, pouco se
fala da
qualidade e distribuição do recurso. “Deparamos-nos com uma crise que
não se
iniciou em 2013, mas que veio se estabelecendo ao longo de vários anos,
marcado
pelo despreparo no uso da água”.
Segundo
ela, o rodízio de água, usado como medida para lidar com a escassez de água, é
o pior dos cenários. A intermitência do abastecimento poderia gerar uma série
de problemas, como o desabastecimento de regiões que se encontram na ponta do
sistema, geralmente locais de periferia, além de doenças e infecções pelo
consumo dessa água. “Uma rede de distribuição depende de uma pressão para se
manter com uma determinada qualidade. Existem fissuras, principalmente com o
encanamento de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, que contaminam a água por
causa da mudança de pressão”, explica.
Além
disso, questões de armazenamento precisam ser revistas. “É preciso ensinar a
população a se proteger e a como economizar água eficientemente. Não é mais coisa
de 'ecochato', é questão de sobrevivência”, alerta.