segunda-feira, 28 de julho de 2014

Com 'tarifa zero', Brasil quer anular Aliança do Pacífico



Reunião Mercosul. Crédito: AP

Após adiamento devido a protestos, Cúpula do Mercosul começa nesta segunda-feira, em Caracas

O Brasil chegará para a Cúpula do Mercosul, que se inicia nesta segunda-feira, em Caracas, com a proposta de antecipar a aplicação da tarifa zero no comércio com países do Pacífico sul-americano.
Segundo a proposta brasileira, as alíquotas comerciais nas transações entre Mercosul e Colômbia, Chile e Peru, seriam reduzidas já no fim deste ano. Pela ideia original, o acordo entraria em vigor só em 2019. Somente o México, o quarto membro da Aliança do Pacífico, ficaria de fora por enquanto.
O objetivo da medida, além de ampliar a liberalização comercial na América do Sul, é dar resposta política ao "marketing" da Aliança do Pacífico, que vai na linha de que uma suposta "ideologização" do Mercosul acaba prejudicando o desempenho do bloco em termos de comércio regional.
Apesar de negar oficialmente que a Aliança, integrada por países próximos a Washington, rivalize com o Mercosul, internamente o Itamaraty se incomoda com o peso propagandístico que o bloco têm dado a sua integração, ainda incipiente, como modelo sem viés político.
"Com a tarifa zero, o Brasil reafirma seu protagonismo e mostra que o que norteia sua ações é a integração na prática, mais do que a suposta dicotomia ideologica entre bolivarianos que se aproximam do Mercosul e os liberais da Aliança do Pacífico", afirmou à BBC Brasil o economista Pedro Silva Barros, titular da missão em Caracas do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea).
Além de uma nova "ofensiva comercial" do Brasil, a medida também busca completar a instalação de uma área de livre comércio e de integração que cubra toda a América do Sul.
Na avaliação do economista Darc Costa, presidente da Federação de Câmaras de Comércio e Indústria da América do Sul, a "tarifa zero" implementa um mecanismo de protecionismo regional, porque cria um mercado diferenciado para os produtos da zona em relação, por exemplo, aos produtos chineses.
"Incrementará o comércio na região", afirmou o economista.

Mudança de perfil

Nos últimos anos o comércio do Brasil com a Colômbia aumentou 300%, com o Peru, 389%, e com o Chile, 200%, de acordo com dados oficiais. Esses números pesaram na hora de convencer o governo brasileiro a apostar na antecipação da liberalização total com os vizinhos.
AFP

Redução tarifária pode aumentar comércio na América Latina
Na prática, as tarifas do Brasil com os países da Aliança já se aproximam de zero. Agora, Brasília quer mudar o volume e o perfil do mercado, enfocando em produtos manufaturados e não apenas commodities.
O problema que pode surgir com a mudança tarifária será a competição com os Tratados de Livre Comércio (TLC) bilaterais - principalmente tratados dos países do Pacífico com os EUA.
As regras dos TLCs tendem a imprimir certa vantagem comercial em relação às normativas regionais. Para o Peru, por exemplo, há mais vantagens na relação comercial com os EUA.
A solução parcial para o problema, de acordo com Costa, são as "vantagens comparativas" oferecidas pela integração regional.
Como exemplo, ele cita a distância dos países da Aliança com os do Mercosul, que é menor, o que implica menos tempo e recursos para o transporte dos produtos; e os aspectos culturais, que podem exercer influência no momento da escolha do mercado provedor.
Já a resistência à antecipação do acordo pode surgir entre os membros da Aliança do Pacífico, que começam a se ressentir do impacto em suas economias dos TLCs com os EUA. A recente crise agrária na Colômbia levou o setor empresarial que era favorável à liberalização comercial a adotar posturas protecionistas.
O professor Carlos Eduardo Carvalho, da PUC-SP, vê na nova iniciativa brasileira uma tentativa de recuperar a posição "autoatribuída", a seu ver, de líder da América do Sul. "É uma forma de o Brasil se inserir de forma ativa nessa 'área do Pacífico' que se formou em nossas costas", afirmou.

Moratória argentina

Outro tema que deve ser tratado na cúpula é a crise argentina. Na próxima quarta-feira vence o prazo de carência para que a Argentina pague os juros da dívida acordada com fundos credores do calote histórico de 2001 (os chamados fundos "abutres").
Se for declarada a moratória, cenário mais provável, além do embargo de bens, a Argentina terá o acesso a fontes de financiamento internacional limitado. A presidente Cristina Kirchner deverá expor aos colegas do Mercosul a situação econômica do país em busca de apoio.
Mas não há nada, na prática, que os países do bloco possam fazer. O impacto na segunda principal economia do Mercosul preocupa empresários e investidores do bloco.
"Haverá impacto, mas estimamos que seja menor do que a crise que enfrentamos em 2001", afirmou à BBC Brasil um negociador do bloco.
Do lado venezuelano, o presidente Nicolás Maduro respira com certo alívio. A reunião havia sido adiada devido à crise política que se arrastava desde meados de fevereiro, com manifestações violentas nas ruas contra seu governo.
Esvaziados os protestos, Maduro deverá apresentar aos presidentes uma proposta que busca aproximar os blocos da Alba-TCP, Petrocaribe e Caricom com o Mercosul.
A entrada da Venezuela no bloco é vista como uma janela dos sul-americanos para o mercado caribenho. Como mais recente membro do bloco, Maduro também deverá enviar uma mensagem para tranquilizar os empresários locais, preocupados com o peso da China - convertido no principal credor do país caribenho - no comércio venezuelano.
A reunião desta terça-feira também marcará o retorno do Paraguai ao bloco, suspenso desde a deposição de Fernando Lugo em 2012.
Não há avanços nas negociações do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. De acordo com negociadores da região, o impasse está no campo europeu, que ainda não conseguiu unificar uma proposta.

Palestina

A ofensiva militar de Israel contra a população palestina na Faixa de Gaza é outro tema que deverá ser abordado pelos presidentes. O bloco deve apresentar uma moção de repúdio à operação militar que já deixou mais de mil mortos.
Apesar de crítico, o tom do documento não deve contemplar a exigência dos movimentos sociais da região de boicote econômico a Israel e suspensão do acordo comercial entre o Mercosul e Tel Aviv.
Nesta segunda-feira, o encontro começa com a reunião dos chanceleres do bloco. Na terça-feira participam do encontro a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, da Argentina, Cristina Kirchner, do Paraguai, Horacio Cartes, do Uruguai, José Mujica, e da Venezuela, Nicolás Maduro.
O presidente Evo Morales, da Bolívia - país em processo de incorporação como membro pleno do pleno - também deve assistir à reunião. A Argentina assumirá a presidência do bloco.