Agente condenada por dizer que juiz “não é Deus” diz que “faria tudo de novo”
A
agente de trânsito Luciana Tamburini, 34 anos, que foi condenada a
pagar R$ 5 mil ao juiz João Carlos de Souza Correa por “desacato” depois
de uma abordagem durante blitz da Lei Seca no Rio de Janeiro, afirmou
que é impossível evitar um sentimento de impotência depois de tudo que
aconteceu. Ela disse também que essa não foi a primeira “carteirada” que
recebeu em seus 3 anos de trabalho na Lei Seca.
“É um absurdo. Porque você bota a
pessoa ali para trabalhar, para cumprir a lei. É uma pena a lei ser para
poucos, para pessoas que têm o poder maior que o nosso. Imagina se vira
rotina? O servidor público fica com medo de aplicar a lei. Você não
pode trabalhar com medo”, disse a servidora em entrevista ao G1 Rio.
O caso foi em 2011. João Carlos foi
parado por dirigir um veículo sem placas. Ele também estava sem a
Carteira Nacional de Habilitação. Na ocasião, o magistrado chegou a dar
voz de prisão a Luciana por desacato. “A sensação que fica é o medo de
trabalhar, porque se a gente faz o errado, está errado; se a gente faz o
certo, também está errado. Quem trabalha com segurança pública ou com o
público em geral não pode ter medo. É desmotivante. No primeiro tópico
do acórdão, eles falam que eu abusei de autoridade, mesmo que o
magistrado estivesse irregular, por ele ter uma posição na sociedade.
Você tenta fazer um trabalho direito e está errado por causa disso”,
disse a agente ao Extra.
A Justiça entendeu que a agente perdeu a
razão por ironizar uma autoridade pública e reverteu a ação, que foi
inicialmente movida por Luciana contra o magistrado. O Detran divulgou
uma nota defendendo a ação da agente. Informou que a Corregedoria do
Detran abriu um processo disciplinar para apurar a conduta dos agentes
da operação na ocorrência envolvendo o juiz João Carlos de Souza Correa e
não constatou qualquer irregularidade. Além disso, o registro de
ocorrência realizado pelo crime de desacato na 14ª DP (Leblon) foi
formalizado como “fato atípico pela falta de provas”.
Luciana entrará com um recurso no
Superior Tribunal de Justiça contra a condenação que recebeu. Ela
afirma, ainda, que o magistrado a interpretou mal quando usou a
expressão “juiz não é Deus”, explicando que um policial militar tentou
algemá-la porque o juiz queria.”Eu então disse ao policial que ele
queria, mas ele não era Deus. O policial falou isso para o juiz. Não fiz
isso com o objetivo de ofender”, esclarece. “Eu vou até o final. Pode
ter certeza que vou recorrer, porque sei que agi corretamente. Não me
arrependo de nada, se tiver que fazer hoje de novo, farei a mesma
coisa”, diz.
A agente recebe salário de cerca de R$
3,5 mil e considerou a multa alta. Pela internet, um grupo de pessoas
liderado pela advogada Flávia Penido, de São Paulo, se juntou para fazer
uma vaquinha virtual e arrecadar o dinheiro para ajudar Luciana a pagar
o valor. Todo valor arrecadado será repassado para a agente.
Juiz reincidente
O juiz não quis se pronunciar sobre o caso. Ele já se envolveu em outras
situações similares. Em 2009, ele foi parado por um policial rodoviário
em Rio Bonito. Chamou atenção pela alta velocidade e por usar um
giroflex (luz de emergência giratória) azul. Ele também deu voz de
prisão ao policial que o abordou.
O policial rodoviário Anderson Caldeira
comentou o caso em 2011. Ele lembrou que o juiz desceu do carro
gritando que era juiz de direito. “Ele relutou muito em se identificar e
em nenhum momento parou de gritar e me ameaçar, dizendo que me
colocaria na rua, que minha carreira no serviço público estava acabada”,
contou.
Ele também foi investigado depois de
uma briga com dois turistas em um hotel de Búzios. O casal, um francês e
uma alemã, reclamou de uma festa promovida pelo juiz até altas horas da
madrugada em um quarto do hotel. Antes disso, em 2006, o juiz ameaçou
de prisão um funcionário da concessionária de de luz Ampla. O juiz não
pagou a conta de luz e quando o funcionário foi até o local interromper o
fornecimento teria sido ameaçado de prisão. A concessionária confirmou o
caso na época.
Fonte: Gil Santos